LEITURA CONTRATUAL / FICHA
DE LEITURA
1. Identificações bibliográficas
Informações fornecidas
na parte externa da obra: título / autor / editora / ilustração
Título: “Casos do
Beco das Sardinheiras”
Autor: Mário de
Carvalho
Editora: Caminho
Edição: 8ª edição
Data: 2008
2. Autor
Nascimento: Lisboa,
25 de Setembro de 1944
Nacionalidade:
Portuguesa
Outras obras:
“Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho” (1983), “A Paixão do Conde de
Fróis” (1986), “Um Deus passeando pela brisa da tarde ” (1994), ...
Ocupações:
Romancista, dramaturgo e guionista
3. Leitura
Escolhi esta obra
porque: na última ficha de leitura escolhi uma autora estrangeira,
optei por apresentar, desta vez, um autor de nacionalidade portuguesa.
Quando comecei a ler o livro não tinha bem ideia de como seria a
história nem como seria contada, pois do autor Mário de Carvalho tinha
apenas lido a “Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho”. O livro
superou todas as minhas expectativas. Acho que “Casos do Beco das
Sardinheiras” é uma leitura interessante a apresentar aos meus colegas,
pois é um livro hilariante e relativamente fácil de ler (e também para
lhes mostrar que a ideia de que a literatura estrangeira é melhor do que
a literatura portuguesa está errada).
Li-a durante: três
dias.
4. Obra
Classifico a obra:
contos / histórias maravilhosas e fantásticas
Assunto: “Casos do
Beco das Sardinheiras” conta episódios da vida quotidiana dos habitantes
de um beco lisboeta que cruza com a Rua dos Eléctricos, algures entre
Alfama e Mouraria. O Beco das Sardinheiras parece ser um beco vulgar,
com casas velhas, chão empedrado, vasos nas varandas... Mas as ocasiões
que ocorrem no beco não têm nada de vulgar!
Na primeira ocasião é-nos
contada a história de como o Armando da Mula engoliu a Lua; na ocasião
seguinte descobrimos que a gata Tareca do Manuel da Ribalda pariu um
grande gato (o Gigas) que se veio a descobrir ser uma pantera assassina
de polícias e outros homens fardados; num domingo, o Virgolino Alpoim
descobre uma corda que desce do céu sem estar, aparentemente, presa a
lado algum. Outra ocasião é a da pedra preta que ninguém conseguia
levantar (inclusive o Chico Estivador, que tem fama de ser o mais forte
do Beco das Sardinheiras) e apenas o Pedrinho (um rapazinho de onze
anos) levantou. Noutra ocasião, o Pedrinho e uns amigos do beco ousam
entrar na gateira (uma casa com uma porta que possuía um orifício por
onde circulava a gataria do beco) mesmo sabendo que os adultos os haviam
proibido e encontram uma torneira que ao ser aberta provoca a queda de
uma coluna de água vinda do céu. Já o Zeca da Carris descobre, na
ocasião seguinte, que tem uma divisão gelada em sua casa e desiste de
comprar um frigorífico. O Quim Ambrósio (o maior falador do Beco das
Sardinheiras) é que não teve sorte nenhuma, pois à saída do beco levou
com uma telha na cabeça e a partir desse dia passou a falar uma língua
estranha que ninguém entendia. Mas as estranhas ocasiões que ocorrem no
Beco das Sardinheiras não ficam por aqui: houve ainda uma nuvem de chuva
que seguia as pessoas (e acabou enterrada e transformada em chafariz do
beco), o trombone que alongava objectos cada vez que o tio Bento tocava,
um marco de correio que funcionava como teletransportador de
estrangeiros e um padre alentejano que fazia experiências estranhas com
resultados pouco católicos.
Ninguém sabe ao certo
porque ocorrem todas estas situações sobrenaturais no beco, mas os seus
habitantes apontam a culpa ao facto do Armando da Mula ter engolido a
Lua.
Não haja dúvida que o Beco
das Sardinheiras é um beco singular.
Parte que mais gostei: O
epílogo, quando o Zeca da Carris, o Chico Estivador e o Zé Metade vão a
casa do escritor, tentar convencê-lo a continuar a escrever as histórias
do Beco das Sardinheiras e Mário de Carvalho explica-lhes que não pode
escrever apenas sobre “os pequenos casos do Beco das Sardinheiras e da
sua arraia-miúda” alegando que lhe chamariam “escritor menor” e o
acusariam de “fazer literatura de miuçalha, de facilidade, de
pechisbeque, de cutiliquê, literatura patchuli, literatura pataqueira”.
Parte menos interessante:
a ocasião “O padre alentejano”. Não achei a história tão divertida e
interessante como as restantes.
5. Apreciação crítica
Selecciono cinco
palavras que desconhecia: pirisca / sorumbático / coricar /
garatujas / bojo
Selecciono cinco
palavras (que considero) belas: escapulir-se / chispando /
laboriosamente / escanifobético / latinórios
Registo duas frases
marcantes:
“- Pôr-se ali na janela
aos bocejos, olha a farronca! Agora vem esta a querer baralhar género
humano com Manuel Germano. O meu Zé viu tudo, óvistes?” (cap. 1)
“- Nem pensar em tal
semelhante!” (epílogo)
Indico
personagem/personagens interessante(s): é difícil escolher entre as
maravilhosas e excêntricas personagens de “Casos do Beco das
Sardinheiras”. Todas elas estão muito bem caracterizadas, através das
suas atitudes e da maneira como falam. Mesmo assim, há algumas
personagens por quem nutro um carinho especial, uma vez que me
proporcionaram grandes momentos de diversão enquanto lia o livro. Uma
delas é o Zé Metade: o pobre homem que quis separar o Manecas Canteiro
do Mota Cavaleiro quando eles se envolveram “à facada” na Esquina dos
Eléctricos e acabou ele próprio “cortado em dois”. O Zé Metade é o
primeiro habitante do Beco das Sardinheiras que nos é apresentado,
arrastando-se no seu caixote de madeira com rodinhas pela noite fora,
cantando o seu habitual fado melancólico “Ai a profunda desgraça / Em
que me viste ó’nha mãiiii…”. O autor atribuiu às suas personagens algum
ruralismo, embora elas habitem numa zona Lisboeta. As personagens de
“Casos do Beco das Sardinheiras” têm uma propriedade engraçada:
conseguem ser universais (no sentido em que o leitor tem tendência a
associar a personagem a alguém que conheça, principalmente devido a
traços do seu carácter) mas, simultaneamente, todas as personagens são
um pouco extravagantes (o que relembra o leitor de que a personagem é um
habitante de um beco singular).
Esta obra fez-me
reflectir sobre: as personagens que conhecemos e as ocasiões que
ocorrem na nossa terra. Os habitantes do Beco das Sardinheiras, os seus
linguajares, as suas reacções face às encrencas em que se vêem metidos…
tudo isto é uma versão manipulada do que acontece em todas as terras
onde todos se conhecem, onde há uma taberna como a da Marta, uma capela,
vizinhas “codrilheiras”, onde ninguém está só e onde todos se ajudam
quando há um problema… São coisas interessantes, que já estão tão
inseridas no nosso quotidiano e às quais nem damos importância, mas que
se fossem contadas a outras pessoas teriam o mesmo impacte que “Casos do
Beco das Sardinheiras”. Também me fez pensar que as pessoas que vivem em
andares (nas grandes cidades), que nem o vizinho do lado conhecem pois
passam o dia no trabalho e só regressam à noite, não vivem estas
histórias, não revêem estas personagens em pessoas que conhecem… não
entendem no fundo a mensagem do autor que é, na minha opinião, realçar a
riqueza que são as pessoas e a solidariedade e união que existem em
zonas como o Beco das Sardinheiras. E se esquecermos por um momento que
todas as ocasiões não passam de episódios irreais saídos da ubérrima
imaginação de Mário de Carvalho, se atentarmos como são os habitantes do
beco e na sua reacção face aos acontecimentos quotidianos, vamos
entender que eles são o “coração” deste livro: é graças a eles que
queremos ler as restantes ocasiões para sabermos como é que as
personagens vão lidar com elas.
Valeu a pena ler esta
obra porque: passei bons momentos na companhia deste livro, isto é,
na companhia dos habitantes do Beco das Sardinheiras. Uma coisa que me
pareceu curiosa e um pouco sobrenatural (do género dos acontecimentos
que ocorrem no Beco das Sardinheiras) foi, após ter lido algumas
“ocasiões”, me parecer que também eu conhecia aquele beco e “aquelas
gentes”… certamente se deve ao facto de eu identificar alguns habitantes
do Beco das Sardinheiras com pessoas da minha terra (quase supus que
autor as conhecesse, mas rapidamente afastei essa ideia).
Aconselhava esta obra a
um amigo porque: A história é fantástica e é impossível prever o que
vai acontecer a seguir. O livro é pequeno, fácil de ler (embora se
recomende a presença de um dicionário enquanto a sua leitura) e
divertidíssimo. Não é uma história que “cansa”, até porque, na verdade,
não se trata de uma história mas de várias “ocasiões” (pequenos contos
que contam episódios que aconteceram no Beco das Sardinheiras). Deixo
apenas um aviso: a “gíria do Beco das Sardinheiras” é contagiante. Mas o
que importa sobremaneira é não confundir género humano com Manuel
Germano!
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